sexta-feira, 21 de junho de 2013

O gigante diferente

Desde que nascera era diferente, sabia disso e conseguia ver isso em todo o lugar que ia. Nascera um gigante como todos, um pouco maior que a maioria, mas nada que fosse assustador ou extremamente diferente. Não, não era isso que lhe fazia tão diferente de todos. Pouco depois que nascera, saiu de casa, não aguentava ser tão diferente e resolveu sair em busca daquilo que todos tinham menos ele.
Não sabia mais quantos anos faziam desde que começou sua busca.
Ao longo dos anos encontrara por vezes o que procurava, mas não em específico a que era pra ele, era de outro e logo este outro gigante chegava e ele voltava à sua busca.
Um dia, após muito andar, resolveu descansar. Encontrou um lugar tranquilo e começou a dormir. Pouco depois acordou com o barulho de murmúrios. Seguiu o som e encontrou um grupo de gigantes comentando sobre algo a frente deles que ele não conseguia ver o que era. Criou coragem para se aproximar daqueles gigantes, todos com aquilo que os diferenciavam dele, para poder ver o que era. Os gigantes olhavam para baixo, para uma coisinha muito pequena. Uma humana. Minúscula, acuada de medo e sozinha. Mais uma vez tomou coragem e foi até a pequena menina. Confortou-a e tirou-lhe o medo, colocando-a em seu ombro e saindo dali. Saiu dali feliz, não mais era diferente, era agora um gigante com sua pequena.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Filhos da revolução

João, Rafael e Marcus acordaram naquele dia como em outro dia qualquer, tomaram café da manhã, fizeram suas obrigações em suas respectivas casas e foram para seus respectivos trabalhos.
João era repórter, Rafael estagiário e estudante, Marcus policial. O dia tinha começado como outro dia qualquer, mas não era um dia qualquer. Havia pouco tempo começaram uma série de protestos na cidade, o povo já não aguentava mais, passaram muito tempo calados e havia chegado uma hora em que não conseguiam mais suportar e foram para as ruas.
Naquele dia, Rafael faltou às aulas, queria participar do protesto, queria fazer parte da mudança do país. João foi designado para cobrir a manifestação. Marcus foi designado a contê-la.
Rafael se reuniu com seus amigos no local, o protesto já havia começado e ele se juntou às milhares de vozes gritando por melhores condições. Gritava e andava junto a todos, mantinha o olho aberto para qualquer manifestante mais radical, pois não queria ficar perto e ser confundido com aquela minoria.
João chegou ao local um pouco atrasado, já haviam começado e ele logo caçou sua câmera em sua bolsa para fotografar e filmar. Aparentemente seu trabalho ali não duraria muito, umas fotos aqui, um ou dois vídeos ali, umas entrevistas e pronto, matéria completa.
Marcus chegou ao local com seus colegas de trabalho. Suas ordens eram claras, dispersar os manifestantes e acabar com aquela baderna. A ação começou. O caos começou.
Rafael corria. Sequer conseguia dizer de onde viam os tiros de borracha e as bombas de gás lacrimogênio tamanha era quantidade de pessoas fugindo. Não acreditava que um protesto pacífico como aquela estava sendo tratado com tamanha truculência. No meio da correria esbarrou em um homem, mas sequer pôde pedir desculpas.
João xingava ao pegar a câmera no chão. Não bastava a confusão que se instalara ainda derrubaram sua câmera. Aprontou-a para tirar mais fotos quando de repente sentiu uma forte dor. Primeiro no peito e então no olho. Desmaiou.
- Merda! - xingava Marcus - Merda! Merda! Merda! Maldito repórter levantando do nada! - acabara de atirar em um repórter, sabia que isso acabaria na pior. Foi até ele, estava desmaiado. Ao lado havia um manifestante caído, parece que acertara ele também.
Rafael mal podia acreditar, estava sendo levado preso por ter agredido um repórter. Só esbarrara no homem, não tinha como isso tê-lo feito cair desmaiado.
João ainda não estava completamente bem, mas foi até a delegacia retirar as queixas contra o garoto que fora levado. Saiu da delegacia já com a matéria pronta, contava sobre Rafael, o garoto que foi preso por não fazer nada, e Marcus, o policial que atirara em um repórter e prendeu um garoto para se encobrir. Seria uma matéria perfeita para a época, o povo iria adorar.
***
- João, sua matéria não vai poder ser publicada, ordens de cima - disse seu chefe.
Argumentara muito, mas por fim desistiu, sabia que seu chefe só estava pensando em bajular algum político. Censura, àquela altura do campeonato, mal podia acreditar.
Na semana seguinte, mais um protesto, mas dessa vez, João e Rafael estavam lado a lado.

"Do you hear the people sing?
(você escuta o povo a cantar?)
Singing the song of angry men,
(cantando a música de homens furiosos)
it is the music of a people
who will not be slaves again!
(é a música de um povo que não será escravo de novo!)"

sexta-feira, 22 de março de 2013

Um café, por favor


Segunda-feira
Passeava pela praça, carregando seu café recém-comprado, tranquilo e envolto em pensamentos. Esbarrou nela. Ah, aquela mulher.  Café caíra sobre ele por inteiro, mas nem se importara, continuava olhando para aquele rosto embasbacado pela beleza dela. Ela desesperada pedindo desculpas e tentando limpar o café com um pequeno lenço que ele nem vira de onde ela tirara. E foi assim que se conheceram. Conversaram sobre o incidente e trocaram telefones.

Terça-feira
Marcaram de se encontrar. Cinema. As intenções já estavam bem claras desde o início, mas ainda assim mantém-se aquela espera para que só ocorra algo no escuro reservado do cinema. Beijam-se durante quase todo o filme, assistem apenas algumas cenas aleatórias e impossíveis de entender devido a falta de contexto. No fim, um encontro normal, mas para os dois bem mais que isso.

Quarta-feira
Chamara-a para sair. Jantar romântico em um restaurante caro. Comida chique. Vinho de qualidade. Ela maravilhada. Ele apaixonado. Ao sair, resolvem parar pela Lagoa e andar um pouco. Apreciam a vista em um deque. A lua cheia tomando conta do céu. Ele então a pede em namoro. Ela aceita e eles se beijam apaixonadamente.

Quinta-feira
Apaixonados. Perfeitos um para o outro. Um casal lindo de verdade. Todas essas eram descrições para o relacionamento dos dois. Era incrível o quão parecidos eles eram e o quanto isso fazia bem um ao outro. Era incrível o quão apaixonados eles podiam ser. Um não desgrudava mais do outro. Mantinham-se trocando quem ficaria na casa de quem. Nada afetava o relacionamento deles e eles estavam felizes de verdade. 

Sexta-feira
Briga. Quase uma guerra. O inferno dentro de casa. Ainda dormiam na mesma casa, mas apenas para manter as aparências, pois ele sempre dormia no sofá. Não paravam de discutir. O dia inteiro naquilo. Eram tão parecidos um com o outro que suas semelhanças passaram a irritar. “Por que você é tão desorganizada?” “Ah, nossa, incrível ouvir isso de uma pessoa incrivelmente arrumada como você. Veja só como arrumou todas as latas de cerveja em um perfeito triângulo em cima da bancada.”.

Sábado
Terminaram. Não conseguiam mais olhar um na cara do outro. Escutar o mínimo som produzido pelo outro já causava angústia, asco e, diziam eles, até refluxo. Cada um seguiu para um lado e suas vidas se separaram completamente.

Domingo
Memórias. Lembrar dos momentos felizes que passou não lhe fazia bem. Mas já começava a superar todo aquele relacionamento desastroso. No fim fora apenas mais uma experiência que dera errado. Mais uma no meio de muitas outras e a vida seguia em frente.

Segunda-feira
Passeava pela praça, carregando seu café recém-comprado, tranquilo e envolto em pensamentos. Esbarrou nela.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Primavera

Ele e Ela. Ela e Ele. Amizade desde a infância. Ambos sempre ali um para o outro. E, naquele momento, Ele precisava dela. Sua namorada acabara de terminar com ele e ele não podia se sentir pior. Mas Ela era uma boa amiga, recebera a ligação assim que terminaram e em menos de dez minutos já se encontrava na casa dele. O vira chorar, o consolara, dividira a pouca experiência que tinha.
Eles estavam agora na cama dele. Ela sentada. Ele com a cabeça recostada sobre o colo dela de olhos fechados, mas sem dormir. Ela afagava-lhe os cabelos carinhosamente.
- Ei, você sabe qual o oposto de ‘gostar’? - Ela perguntou de repente.
Ele abriu os olhos e levantou levemente a cabeça olhando pra ela.
- ‘Odiar’, não é?
Ela levantou o olhar para o teto.
- Não, o contrário de ‘gostar’ é ‘indiferença’ - e então novamente olhou pra Ele - Sabe, eu acho que o relacionamento de vocês já tinha desgastado há muito tempo. Já tinha se tornado muito unilateral. Da sua parte. Ela tinha se tornado indiferente a você. Eu já não aguentava te ver sofrer daquela maneira. Pode ser doloroso demais agora. Mas é uma dor momentânea. É melhor do que sofrer por mais tempo. E você vai achar alguém que seja melhor e que não te faça sofrer.
Ele sentou-se um pouco irritado com o que ela dissera.
- E quem seria essa pessoa maravilhosa que poderia substituir ela, ein?
Ela abaixou a cabeça e murmurou algo inaudível.
- Que? - Ele perguntou.
- Eu disse 'eu', idiota - ela berrou e o beijou.
Ele foi pego de surpresa, mas continuou o beijo. Continuaram por muito tempo. Algum tempo depois, com Ele sentado na cama, encostado na parede e Ela recostada nele, ela virou o rosto e disse:
- Você sabe o que acontece quando a neve derrete?
Ele ficou um pouco confuso com a pergunta.
- Ela vira água? - respondeu em tom de dúvida.
Ela riu.
- Não, bobo, quando a neve derrete é porque a primavera chegou. Um dia o seu inverno vai acabar. Sempre acaba.
Ele riu.
- Talvez ele esteja acabando agora, minha Primavera.
- Seu tosco - Ela sorriu enquanto dizia.
Aquele sorriso esboçado, aquele momento de felicidade. Se beijaram novamente e continuaram ali. Ele e Ela. Ela e Ele.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Uma rosa, um sorriso

A menina sentou na escadinha da ponte. Deixou a bolsa de lado e abaixou a cabeça. E então, começou a chorar. Chorava um choro baixo, pra si, não pretendia fazer escândalo em local público, mas também não aguentaria todo o caminho até chegar em casa. Então sentara ali mesmo e desatara a chorar um choro quase silencioso.
Algumas pessoas ao passar olharam pra ela. Rostos estranhos. Olhares de pena. Olhares de indiferença. E até escutara algumas pessoas comentando. Mas não ligava. A tristeza e desânimo que a estavam consumindo eram tamanhos que nada mais importava e tudo o que podia fazer era chorar.
Começou a chover. Ela olhou para o céu por um momento. A chuva caía e se misturava as suas lágrimas. As pessoas a sua volta começaram a correr ou abrir seus guarda-chuvas. Ela se manteve ali.
Depois de muito tempo ali, de repente sentira um toque em seu ombro. Uma mão. Levantou lentamente a cabeça. Seus olhos já muito vermelhos avistaram o rosto de um homem. Ele lhe entregara um bilhete enrolado em alguma coisa. Ela o abriu. Dentro do bilhete havia uma rosa vermelha. Segurou a rosa e começou a ler o bilhete.
"Lágrimas não mudam o que passou. Não digo para não chorar, mas não perca a vida fazendo-o. Sorria e siga em frente. E se quiser me acompanhar, aceitarei sua presença de bom grado. Agora limpe o rosto e sorria." E o bilhete terminava com o desenho de um rosto feliz.
Ela virou-se e avistou o homem já ao final da ponte. Parou. Pensou. Limpou o rosto, levantou e foi até ele tentando não chorar mais e sim sorrir.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O uivo da serpente

Caminhava calmamente através da floresta. A neve sob suas patas era macia, mas gelava até a alma. Um coelho pendia morto entre seus dentes. Era lobo, mas nunca pertencera a nenhuma matilha, nunca se encaixara, era lobo solitário e assim vivera desde a morte da mãe. Mas naquele dia tudo mudaria. Ao chegar à caverna em que havia tomado como seu lar avistou outro lobo. Não, lobo não, loba. Uma loba machucada. Sangue pingava-lhe do tronco. A primeira reação do lobo fora a de largar o coelho e rosnar para a invasora. Ela uivou de dor. Ele rosnou novamente, seguido de um novo uivo. Depois de algum tempo os rosnados e uivos sumiram, dando lugar a latidos e um coelho dividido. O lobo solitário deixava aos poucos essa característica, dali em diante tinha companhia.
Todo dia o lobo saía para caçar e dividia com sua nova companheira, que a cada dia melhorava um pouco de suas feridas enquanto descansava. Depois de alguns dias a loba melhorou e eles passaram a caçar juntos. Aquele lobo que achara que passaria a vida inteira sozinho agora possuía uma companheira. E gostava disso. Mal sabia ele que novamente tudo mudaria.
Certo dia, após voltarem da caçada, resolveram dormir mais cedo. Estavam muito cansados e dormiram rapidamente. Mas não por muito tempo. Pouco tempo depois o lobo fora acordado por um uivo desesperado. Acordou já alerta e, ao olhar para o lado, onde deveria encontrar sua companheira, avistou uma imensa serpente. Já se preparara para atacar, quando de repente, a serpente uivou. Ficou parado sem entender. A serpente novamente uivou. A informação veio como um tiro para o lobo. Ele se assustou, se afastou. Como seria possível? A única pessoa que o compreendera, que estivera disposta a ficar ao seu lado, por que mudara tão de repente?
Em meio a uivos e latidos, lobo e serpente se aceitaram e tentaram conviver. Mas conforme o tempo passava, silvos de serpente eram cada vez mais frequentes e por diversas vezes a serpente o atacara, porém voltava ao normal logo em seguida. Até um dia em que o lobo fora dormir e não mais acordou, pois se o tivesse feito, veria apenas o interior de uma serpente.